Nos últimos dias, o processo criminal de Estupro de Vulnerável, que é vítima Mariana Ferrer, tomou repercussão nacional – e muito provavelmente internacional – causando sensibilidade e revolta a todos que possuem senso de humanidade.

Não analisaremos o caso, seu mérito, tampouco a conduta dos sujeitos processuais. Mas, por outro lado, a necessidade/possibilidade da participação de um advogado na acusação do caso em questão foi levantada por muitos. Deste modo, o objetivo do presente é informa-los sobre quais os caminhos e hipóteses que um advogado particular pode atuar na acusação.

Nesse sentido, primeiramente deve-se informar que, segundo prevê a Constituição Federal da República, em seu artigo 129, inciso I, é função institucional e privativa do Ministério Público promover a Ação Penal Pública.

Esclarecemos que diferentemente do que ocorre no campo cível, imobiliário, trabalhista, consumerista etc. As ações penais, em sua maioria, não comportam um advogado representando a vítima como autora da ação, uma vez que as ações criminais são propostas pelo Ministério Público, representando os interesses do Estado e da Sociedade. De modo que, a denúncia é então oferecida pelo Promotor de Justiça (autor da ação), enquanto o réu é defendido por um advogado particular ou por um defensor público.

No entanto, a situação acima é a regra. Há exceções que abrem hipóteses para a atuação do advogado particular, pelo que passamos a analisar. A legislação penal brasileira divide as ações penais em: Ação Penal Pública; Ação Penal Pública Condicionada à Representação; Ação Penal Privada; e, por fim, Ação Penal Privada subsidiária à Pública.  

Como já informado, a maioria dos crimes (inclusive os mais graves) são de Ação Penal Pública. A título de exemplo, Roubo (art. 157, CP), Estupro simples e Estupro de Vulnerável (artigos. 213 e 217-A, do CP, respectivamente), são de Ação Penal Pública; os crimes contra a honra (Calúnia, Injúria e Difamação) são, em regra, de Ação Penal Privada; o crime de Ameaça (art. 147, CP) é de Ação Penal Pública condicionada à representação.

É a atuação do advogado particular é possível em todas as modalidades de Ação Penal elencadas acima, cada qual com suas funções específicas. Propõe-se, aqui, a indicação dos principais modos legais nos quais o causídico particular pode atuar. Nos crimes de Ação Penal Privada cabe ao advogado contratado oferecer a peça acusatória, representada pela Queixa Crime, enquanto que nos crimes de Ação Penal Pública condicionada à Representação, cabe ao advogado a realização de uma representação ao Ministério Público, para que este tome as medidas cabíveis.

Há, ainda, possibilidade de intervenção nas ações penais públicas quando o Ministério Público resta inerte e não toma as iniciativas acusatórias ou probatórias nos prazos legais. Nesse caso, a vítima ou os seus familiares podem contratar um advogado, para substituir o MP, promovendo a denominada Ação Penal Privada Subsidiária à Pública, conforme permite o artigos 29, 31 do Código de Processo Penal, artigo 100, §§ 3º, 4º do Código Penal e artigo 5º, LIX, CF. Por oportuno, é importante esclarecer, que após a deflagração da ação penal privada, pode o Ministério Público retomar a titularidade do processo.

No triste caso da Mariana Ferrer, a ação penal é pública e o Ministério Público atuou como deve, oferecendo a denúncia, ocupando o seu lugar de autor da Ação Penal. Nesta situação, questionou-se bastante nos últimos dias, como cabe a atuação de um advogado contratado pela vítima.

Nesses casos, pode a vítima ou seus familiares contratarem um advogado particular para requerer a habilitação desses como Assistente da Acusação, conforme permite o artigo 268 do Código de Processo Penal, de modo que o assistente, através do seu advogado, poderá auxiliar e fiscalizar o Ministério Público.

É de suma importância a participação de um advogado representando a vítima em casos como o da Mariana Ferrer, uma vez que cabe à defesa técnica fiscalizar e auxiliar o Ministério, impedindo, por exemplo, situações abusivas, vexatórias e humilhantes em que a vítima mulher é forçada a passar.

Além disso, o advogado/assistente poderá propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar a denúncia, e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, em alguns casos. Parcela da doutrina e jurisprudência pátria, compreende, ainda, que o Assistente de Acusação poderá oferecer recursos mesmo quando o Ministério Público não o fizer. Deste modo, no caso da Mariana Ferrer, se houver assistente de acusação, este tem legitimidade para recorrer.

Ainda no que concerne aos recursos do assistente, segundo Aury Lopes Jr, poderá o assistente:

No que tange aos recursos, a regra geral é: o assistente somente pode recorrer se o Ministério Público não o fizer, ou seja, sua atividade recursal é supletiva. Quando o Ministério Público recorre, o assistente poderá apenas arrazoar junto, conforme o tipo de recurso utilizado. Mas o assistente somente pode recorrer da impronúncia e da sentença final?

Sim. Também pode, em caso de inércia do Ministério Público:

recorrer em sentido estrito da decisão que declara a extinção da punibilidade pela prescrição ou outra causa (art. 581, VIII, c/c art. 584, § 2º);

apelar, como assistente não habilitado, da decisão que absolve sumariamente o imputado (art. 397);

• apelar da sentença absolutória, condenatória (para majorar o valor da indenização fixado na sentença) ou declaratória de extinção da punibilidade, proferida por juiz singular;

utilizar o recurso de embargos declaratórios, quando a decisão impugnada contiver obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão (arts. 382 e 619);

ingressar com recurso especial e extraordinário, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598 do CPP, como define a Súmula 210 do STF, 601. (LOPES JR, 2020)

Ademais, nada impede que a vítima contrate um advogado desde a ocorrência do crime, para orientá-la, bem como, durante o inquérito, requerer diligências (art. 14 do Código de Processo Penal) e impugnar o arquivamento do inquérito (artigo 28, §1º, do Código de Processo Penal). Mas, no que concerne ao Assistente de Acusação, este só será admitido após o recebimento da denúncia, e até o transito em julgado da sentença penal.

Necessita-se esclarecer que a temática Ação Penal e Assistente de Acusação, possuem inúmeras controvérsias na doutrina e jurisprudência brasileira, sendo temas extremamente complexos, que não podem ser exauridos num pequeno artigo.

Enfim, o recado a ser dado e a relevância desta temática surgem pela necessidade e possibilidade, da vítima de um crime, do ofendido ou dos seus sucessores buscarem um advogado para auxiliá-los e orientá-los, bem como, quando possível, atuar no processo, a fim de defender os interesses do contratante.