“Advogado criminalista é defensor de bandido!”. Este é um dos chavões mais queridos da “Voz das ruas”, espalhado como verdade absoluta, mas que, se analisado detidamente, nota-se a inverdade. A voz das ruas, hoje difundida através das redes sociais, é persuasiva e manipuladora desde os tempos do coreto. A ideia do presente artigo é, de fato, demonstrar aos leitores que o advogado criminalista não é defensor de bandidos.

Primeiro, afirmo: advogado criminalista não defende bandidos, tampouco pessoas, defende direitos! Agora, explico inicialmente com dois exemplos: Jesus Cristo foi condenado e crucificado pela opinião popular, não foi garantido o benefício da dúvida, tampouco o direito de defesa e todos conhecem o final da história; Manoel da Mota Coqueiro, apelidado de “A Fera de Macabu”, foi condenado à forca pelo império brasileiro, por interesses políticos da época, acontece que alguns anos após a execução da pena capital descobriu-se a inocência. Era tarde.

Nessa linha, sabe-se que a humanidade sofreu arbitrariedade durante séculos, até o alcance dos direitos fundamentais, principalmente da dignidade humana. Trabalho escravo, penas capitais, suplícios, a inquisição, a caça às bruxas, entre outros exemplos, são lembranças de uma época que não havia direitos. Todos são exemplos de como a humanidade sofreu severamente para alcançar os direitos que hoje pode gozar.

Portanto, o direito de defesa e a garantia a um devido processo legal, surgem como um freio a arbitrariedade do Estado, ao poder de punir, com o escopo de evitar a aplicação de uma pena a um inocente ou de uma sanção exagerada a um culpado, sobretudo impedir que o sistema penal seja utilizado por interesses políticos ou por manipulação das massas. O objetivo precípuo do advogado criminalista não é livrar o seu cliente da prisão, mas garantir que durante o processo a legislação seja respeitada, através de um devido processo legal, ampla defesa e contraditório.

Rui Barbosa, baiano e um dos maiores juristas de todo o mundo, ao tratar sobre o direito de defesa em área criminal, manifestou-se (1):

A defesa não quer o panegírico da culpa, ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente, ou criminoso, a voz dos seus direitos legais

Tratando-se de um acusado em matéria criminal, não há causa em absoluto indigna de defesa. Ainda quando o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova; e ainda quando a prova inicial seja decisiva, falta, não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, senão também vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas.

Em princípio, a defesa é de direito para todos os acusados, não havendo crime, por mais hediondo, cujo julgamento não deva ser assistido da palavra acalmadora, ou retificadora, ou consoladora, ou atenuadora, do advogado.

Que fique claro: a advocacia criminal é a luta constante contra o arbítrio e a favor da humanidade. Antônio Cláudio Barbosa (05 anos); Atercino Ferreira (11 meses); Steven Avery (18 anos); James Bain (35 anos); Rudolph Arledge (29 anos); Heberson Lima de Oliveira (03 anos) e Irmãos Naves (08 anos); Estes são exemplos de homens que após anos de prisão, tiveram a inocência reconhecida, pela luta dos advogados do Projeto Inocência (2). É para se evitar tamanha injustiça que a atuação do advogado criminalista se impõe.

Por outro lado, também é oportuno esclarecer que o advogado criminalista defende os direitos de todos os cidadãos, uma vez que todos estão sujeitos ao poder punitivo estatal. Não é possível cometer o erro de acreditar que apenas traficantes, corruptos, estupradores, homicidas ou ladrões estejam sujeitos à pena de prisão. Há diversos outros crimes que acontecem em nossa sociedade, que equivocadamente não recebem a mesma repulsa social, mas que também estão sujeitos ao processo penal, quais sejam: aborto; receptação; uso de documento falso; usura (agiotagem); estelionato; difamação, calúnia; injúria; racismo e homofobia; aplicação de financiamento em finalidade diversa da concedida; lavagem de dinheiro; efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País; promover incorporação, fazendo, em proposta, contratos, prospectos ou comunicação ao público ou aos interessados, afirmação falsa sobre a construção do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção das edificações; sonegação fiscal, entre outros.

Há outros dois grandes exemplos de figuras públicas do Brasil que nunca imaginaram contratar um criminalista, mas neste ano foram compelidos a fazer. Sergio Moro (3), quando da necessidade de se defender das alegações contra o Presidente da República, bem como, o Governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (4), pelo afastamento por ordem do STJ do cargo de Governador.

Caminhando para o final, há outras duas situações que a atuação do criminalista se faz necessário. A primeira é a investigação defensiva ou investigação criminal feita pela defesa, ou seja, é dada a oportunidade ao advogado de praticar atos que possam produzir elementos de informação que irão contribuir para a defesa técnica e demonstração da inocência do seu cliente, tais como: colheita de depoimentos; contratação de peritos; obtenção de dados etc. Tal prática ganhou maior importância nos últimos anos, em razão da Lei de Organização Criminosa (2013), que prevê a Colaboração Premiada (conhecida em razão da Operação Lava Jato) e a Lei Anticrime (2020), que trouxe o Acordo de Não Persecução Penal. Esses dois novos institutos, devem caminhar ao lado de uma atuação investigativa do advogado, para que a negociação com o Delegado de Polícia ou Ministério Público ocorra em patamar de igualdade.

A segunda e talvez mais importante que a primeira é a advocacia criminal preventiva. Nesse sentido, o advogado criminalista pode também atuar como assessor e consultor jurídico, no sentido de orientar e adequar os atos da empresa (ou do empresário), no estrito cumprimento da lei, por exemplo: nos atos de gestão de instituição financeira; nas relações e obrigações tributárias; procedimentos de licitação e contratos públicos; em relação ambientais etc.

Deste modo, percebe-se que a atuação do criminalista vai muito além do que o dito popular espalha. O advogado, conforme prevê a Constituição Federal, exerce função pública e é essencial a administração da justiça. Vou além: o advogado criminalista, em especial, é baluarte na luta pelos direitos humanos.

1 – Rui Barbosa, O dever do Advogado;

2 – https://www.innocencebrasil.org/casos;

3 – https://veja.abril.com.br/politica/alerj-aprova-abertura-de-processo-de-impeachment-de-witzel/;

4 – https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/02/moro-advogados-cunha-e-odebrecht.htm;